Prólogo:
Que dia é hoje mesmo? Eu não sei, minhas memórias parecem todas perdidas. Acho que é de manhã, não faz diferença, mesmo que eu olhe lá fora eu sou vou ver a escuridão. Não é muito agradável morar numa supercidade construída artificialmente no meio do pacífico. Quando vem as tempestades você só pode esperar que liguem os pára-raios, mas não são como pára-raios normais, são pára-raios gigantes, majestosos do tamanho da Golden Gate.
Eles vão levantar as enormes comportas pra água não entrar, vai ser lindo como sempre. É como se fosse um ritual para nós que aqui vivemos. Todos os rádios alertam e tocam o nosso hino como símbolo de poder, a mais bela realização arquitetônica do homem, nossa grande e poderosa cidade!
Eu estou acabado, acho que eu poderia sair daqui se quisesse, mas eu não tenho certeza se devo. Bem, de qualquer maneira, não importa! Eu não consigo nem me masturbar! Pode rir, é verdade. Eu não vejo uma mulher há quase um ano, não por que não existem mais, simplesmente por que eles não me deixam sair destra prisão, desta linda prisão. Um arranha céu do tamanho do Monte Fugi, ou talvez maior, eu nunca pude contar. Nunca fui capaz de descer até o fundo, eles nunca deixaram. Enquanto isso eu fico aqui me lamentando, mas que se dane toda essa hipocrisia! Talvez seja melhor morrer aqui, não tem problema, tudo isso faz parte da vida. Da minha mísera vida, uma vida simples e sem muita emoção.
Eu não sei mais que dia é hoje, mas parece que tudo logo vai terminar. Da última vez que eu pude sair eles me deixaram pegar um pouco de veneno. Eu não sei que veneno é, mas estava escrito veneno no frasco. Nós três morávamos aqui, ele, ela e eu. Os dois tomaram no primeiro momento, eu nunca tomei. Eu queria vê-los morrer, pensei que seria interessante, mas não foi. Foi terrível, terrível ver como se contorciam de medo no chão, como se não houvesse Céu nem Inferno para recebê-los, como se estivessem com medo de terminar, com medo de voltar ao pó, foi terrível.
Duas semanas depois, eles já estavam cheirando muito mal, então o moço entrou aqui e os levou. Puseram-me pra fora, eles queriam limpar o quarto, não sei por que, eu já estava me acostumando com os vermes, era como ter um pequeno cãozinho.
Lá fora eu não sabia para onde ir, tantas pessoas, tantos carros, tantas outras máquinas, era muito confuso, eu não queria ter saído, eu estava com medo.
Eu encontrei uma pequena guarita, lá dentro tinham dois homens da lei, perguntaram se eu era um vagabundo e eu respondi que sim, então eles me surraram como eu nunca antes havia sido surrado e me jogaram no meio da avenida. Estava chovendo muito, as gotas d'água caiam no meu rosto, pareciam sólidas e estouravam na minha pele, eu podia ouvir o barulho, era como se tivesse uma banda tocando, tocando uma linda melodia que era semelhante a um "tugu-dugu-da, tugu-dugu-da, ga-da-da-da-da-da-da-da". Era bonito de seu ouvir eu fiquei bastante emocionado. Eu corro por entre os carros e com muita sorte eu não fui atropelado, então, com fome, com medo e magoado eu voltei pra cá. Logo que me viram deixaram-me entrar. Acho que viram que eu estava com medo, então mais uma vez eu subi as enormes escadas. As escadas eram enormes, maiores do que qualquer uma que eu já havia visto. Talvez por que eu nunca tivesse subido as escadas antes, é verdade. Eu nunca subi escadas, mas naquele dia eu vi as escadas então eu subi. Subi por três dias, em direção ao nada. Toda a minha vida até então parecia uma piada, parecia que era tudo um sonho besta e que eu iria acordar dentro de uma cela calma no meio de uma cidade verde e um guarda iria me dizer: "você está livre", porém não foi isso que aconteceu. Eu simplesmente continuei a subir e quando percebi estava no topo.
O topo era lindo, era enorme era magnânimo! Era tudo que eu queria ter sido e tudo que eu nunca quis ser. Eu mal pude me maravilhar com tamanhas e impressionantes construções erguidas do aço e da pedra com centenas de quilômetros de altura! Era lá, aonde eu queria viver, ela lá aonde eu queria crescer! Eu poderia ser adulto, deixaria de ser um simples nada, um simples sopro de vento na multidão, corrompido pela poeira que penetra pelos seus pulmões causando todo o tipo de enfermidade. Eu seria mais do que eu sou agora. Eu seria... Eu não sei, só sei que estava confuso. Foi aí que o homem com a roupa preta veio e me bateu também. Eu acho que dormi por que não me lembro o que aconteceu depois, me lembro apenas de acordar novamente no quarto, aqui... Aqui que eu acordei e é onde estou agora. No meu limpo, belo e seguro quarto, o quarto que eu tanto amo.[url][/url]